O homem está sentado no banco. A mulher entra em cena e senta-se ao lado dele.
Mulher – O que fazes aqui tão cedo? Ainda não chegou a tua hora.
Homem – Estava a dizer à Mila que devias estar a vir.
Mulher – Ainda falas com ela?
Homem – Todos os dias, o tempo todo. Como estás?
Mulher – A tentar manter o meu trabalho, distrair-me a aborrecer as pessoas e a não me matar. E tu?
Homem – Contente por te ouvir a falar assim.
Mulher – É. Estou melhor, já não tenho vontade de enfiar a cabeça no forno.
Homem – Bem me parecia que não eras tão talentosa como a Sylvia Plath.
Mulher – Estou a tentar perceber se ainda consigo chatear-te depois de morrer, mas como ainda não cheguei lá, vou continuar a fazer isso em vida.
Homem – Todos temos de ter um hobby com que se distrair.
Mulher – Quando me senti como se o chão me tivesse faltado e vim neste lugar de perdas, sem saber estava à procura de alguém que me compreendesse. E tu apareceste.
Homem – Fazes-me sentir uma alma penada…se bem que é um banco de cemitério. Era expectável.
Mulher – Ainda penso no Leo todos os dias. Como se houvesse um lado meu que tivesse aceitado o facto de já não estarmos juntos. Mas ainda há um outro, forte o suficiente para fechar os olhos e conseguir desenhar e sentir o rosto dele com a ponta dos meus dedos.
Homem – Isto é bonito. Significa que és humana. E não um vírus irritante a espalhar lamúrias por aí.
Gostava que encontrasses algo que te motivasse a levantar da cama de manhã.
Mulher – Decidi que a minha forma de sobreviver a isto tudo será ser a melhor pessoa que eu puder da forma como já sou.
Homem – Gosto de te ouvir a falar assim. Lembra-te que todos já passamos por pequenos lutos. Desde sair do colo da mãe a deixar a casa dos pais. Só com a consciência da evolução que isto nos trás é que continuamos a viver.
É importante fechar um ciclo para se abrir outro. Encarar com sensibilidade e humanidade as dores desta perda e saber que nem tudo depende apenas da tua decisão e especialmente no que toca a relações, reconhecer e partilhar as responsabilidades pelo seu término.
Mulher – Tudo ficaria mais leve se ele também reconhecesse que falhou.
Homem – Tens estado com outras pessoas? Talvez combinar com alguém para tomar um café.
Mulher – Tomar café? Isto é um convite impróprio. Não há bicos sem bicas e eu não estou pronta para me envolver com outra pessoa.
Riem-se juntos.
Homem – Não sabes o que te aguarda no futuro. Podes te sentir triste e chorar às vezes. Mas não podes deixar de ter esperança de que vais ficar bem.
Mulher – Eu tenho esperança. Ninguém vai substituir o Leo e o que fomos. Em cada célula minha há um pouco dele e isso nada nem ninguém me tira. Nem o tempo.
Ele costumava dizer que não importa o que acontecesse eu deveria manter a minha essência. Vou me voltar para isto, revirar o meu baú interior e tentar buscar algo digno de quem tanto amor deu e recebeu. Quem sabe assim eu reencontre a tal da felicidade.
Homem – A felicidade é algo tão bom que não importa de onde ela vem. De braços que te envolvem, de quatro patas que te pedem para passear ou de duas pessoas que se tornam amigas por partilhar as suas dores. Tudo pode ser um ponto de partida para o teu recomeço.
FIM.